A Suprema Corte da Itália decidiu pela negação da tese da Grande Naturalização, que vinha sendo utilizada para negar o reconhecimento de cidadania a brasileiros. O especialista em mobilidade global, Lucas Lima, com mais de 15 anos de experiência em dupla cidadania e imigração para a Europa afirma que a decisão é uma grande vitória para os brasileiros descendentes de italianos. Saiba mais!
A mais alta corte da Itália derrubou, na quarta-feira da semana passada, 24, a tese da Grande Naturalização, que impactava milhares de processos de cidadania italiana. A decisão garante que os descendentes de italianos que migraram para o Brasil possam requerer o reconhecimento da cidadania sem mais ter que contestar a tese da Grande Naturalização.
O especialista em mobilidade global com 15 anos de experiência, Lucas Lima, acredita que, embora a decisão caiba recurso, trata-se de uma grande vitória para os brasileiros.
“Cerca de 33% da população de São Paulo é descendente de italiano, por exemplo. Esta decisão afetará o destino de muitas pessoas que quiserem, agora ou em algum momento, solicitar o direito à sua cidadania italiana. Sem dúvida, a decisão da Corte de Cassação de Roma agora vai repercutir de forma positiva e direta na vida de aproximadamente 6 milhões de ítalo-brasileiros”, explica Lucas Lima.
Mas, afinal, o que é a Grande Naturalização?
A Grande Naturalização é uma antiga lei, que se refere ao decreto n° 58-A, editada pelo Governo Provisório da República do Brasil, de 14 de dezembro de 1889. Ela determina que a partir de 15 de novembro de 1889 todo estrangeiro residente no Brasil seria considerado um cidadão brasileiro.
A ideia principal era possibilitar que esses imigrantes participassem do cenário político brasileiro, ganhando assim o direito de votar e concorrer a cargos públicos, com exceção a chefe de Estado, que é privativo dos brasileiros natos.
O principal problema é que a Grande Naturalização foi uma naturalização tácita, isto é, sem a vontade dos estrangeiros, que se deu por imposição legal do Estado brasileiro. Então, para aqueles que não concordassem com a nacionalidade brasileira e quisessem renunciar, seria necessário realizar uma declaração em contrário, perante a municipalidade em um cartório, delegacia ou subdelegacia com agentes diplomáticos e consulares, no prazo máximo de seis meses após publicação do referido decreto.
Outro ponto que mostra toda a confusão causada pelo decreto é que nos registros civis dos italianos, mesmo após 1891, ainda conta com autodeclaração e registros feitos pelos órgãos responsáveis onde são considerados estrangeiros. Além disso, os consulados continuaram emitindo passaportes aos seus cidadãos.
“Isso significa que, além da nacionalidade brasileira ter sido imposta pelo Governo Provisório, a maioria dos imigrantes italianos nem ao menos soube que estava perdendo sua nacionalidade de origem ao se tornar, compulsoriamente, cidadão brasileiro. A implicação disso é que para os processos ius sanguinis, nos quais o Dante Causa (antenato) se estabeleceu no Brasil no período de vigência do decreto, isto é, entre os anos de 1889 e 1891, e que os filhos tenham nascido em território brasileiro antes de 1912, ano da primeira lei ordinária italiana que tratou da dupla cidadania, seriam recusados, já que o Dante Causa seria considerado brasileiro a partir disso”, explica o especialista em mobilidade global, Lucas Lima.
Conseguiu entender a Grande Naturalização? Calma, a gente resume!
A tese da Grande Naturalização é de que se todos os imigrantes italianos se tornaram exclusivamente brasileiros, eles deixaram de ser italianos. Então, se a partir de 1890 não há mais italianos no Brasil, os filhos deles não eram mais descendentes de italianos, mas sim de brasileiros… A não ser aqueles que requisitaram manter a cidadania italiana, ou seja, ninguém!
E por que eles não viraram cidadãos com dupla nacionalidade?
O grande problema é que a Itália só reconheceu a soberania do Estado Brasileiro em dezembro de 1890. Assim sendo, nenhum decreto tem validade perante o Estado Italiano, uma vez que a Itália só passou a reconhecer a dupla cidadania com a Lei n° 555, de 13/06/1912.
A lei anterior do país considerava o princípio da singularidade de cidadania, previsto na lei de 1865, isto é, quando um imigrante adota a nacionalidade do país onde passou a residir, deixa de ser legalmente um cidadão italiano. Dessa forma, ou as pessoas eram italianas ou não eram.
Então por que os italianos não renunciaram à nacionalidade brasileira?
O maior movimento migratório internacional da história do Brasil, no final do século XIX e no início do século XX, aconteceu porque era um período de uma grande crise e dificuldade para os italianos.
Como o processo de unificação do país não foi pacífico, houve guerras e revoltas. Somado a isso houve um processo de industrialização que criou um êxodo, fazendo com que as pessoas deixassem os campos e partissem para a cidade, e o resultado foi o desemprego e a fome.
Na época, o Brasil precisava de mão de obra para as lavouras de café, e houve ainda aqueles que se dedicaram à produção de uva e de vinho. Então, para contextualizar, a maior parte desses estrangeiros viviam em fazendas em localidades muito afastadas e de difícil acesso. Além disso, se muitos já eram analfabetos em sua língua nativa, é lógico que não tinham qualquer domínio sobre a língua portuguesa.
A essa altura você já deve ter imaginado que muitos imigrantes não tinham acesso fácil à informação, dessa forma eles sequer tomaram conhecimento da existência de tal lei e decretos que os faziam perder a nacionalidade.
Mas o que isso impacta para a cidadania dos ítalo-brasileiros?
De acordo com dados do Consulado da Itália no Brasil, estima-se que atualmente existem aproximadamente um pouco mais de 30 milhões de descendentes de imigrantes italianos vivendo em terras brasileiras.
Ou seja, o Brasil é o país com o maior número de descendentes de italianos do mundo e assim como você já deve saber, todo brasileiro descendente de italiano em linha reta, em sua linha genealógica direta, não importando a quantidade de gerações (filho, neto, bisneto…), tem direito à cidadania italiana. Ou seja, se a Grande Naturalização entrasse em vigor, esse fato estaria prestes a mudar.
Mas, como mencionamos acima, a Grande Naturalização não foi uma livre escolha dos imigrantes e, justamente por se tratar de uma imposição, a justiça italiana não trata o decreto como aceitável. Primeiro porque ele se impõe sobre a soberania das leis da Itália, e depois porque a falta de uma manifestação de renúncia não prova que o italiano estava de acordo em ser naturalizado brasileiro, pois viola os direitos civis do cidadão e a sua liberdade de escolha que impede uma conversão forçada, que é protegida pela legislação de ambos os países.
Entretanto, em 2019, o Ministero dell’Interno (Ministério do interior), por meio da Avvocatura dello Stato (Procurador do Estado), voltou a abordar esse assunto, que já parecia ter sido encerrado, na tentativa de indeferir pedidos de cidadania italiana jus sanguinis via Tribunal de Roma. E a partir de então, alguns novos processos de cidadania via judicial passaram a contar com essas apelações.
“ Apesar de o tribunal ter rejeitado essa tese, o Ministero dell’Interno, representado pela Avvocatura dello Stato, continua apelando contra a decisão em novos processos de cidadania via judicial, o que acaba dando trabalho extra aos advogados representantes de requerentes do direito à cidadania italiana, nós mesmos tivemos que recorrer de algumas poucas decisões”, pondera Lucas Lima.
O especialista acredita que a decisão joga ‘uma pá de cal’ no assunto e traz uma lição sobre os direitos de personalidade, sobre a cidadania italiana, sobre os limites jurisdicionais de cada Estado, e afasta que uma ficção jurídica, alienígena, quebre esse vínculo de sangue. “De acordo com o decreto, essa “naturalização automática” dos imigrantes italianos no Brasil invalidaria a ascendência italiana de seus netos, bisnetos e assim por diante. Portanto, os processos de cidadania italiana também seriam invalidados. Essa tese ficou conhecida como a Grande Naturalização”, reitera Lima.
Na sentença publicada na quarta-feira passada, os magistrados disseram que “a razão é que o nexo de cidadania nunca poderá ser baseado numa ficção”.
Uma ótima notícia para todos os descendentes de italiano! E se você ainda tiver dúvidas ou precisar de esclarecimentos sobre a grande naturalização, fale com o especialista da Aquila Oxford através dos telefones +55 41 9201-6118 (Whatsapp) ou o 0800 591 7139, (atendimento Aquila).
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